quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O governo precisa dar à crise o seu nome



O governo precisa dar à crise o seu nome








A mídia tanto insiste em confundir que às vezes até setores progressistas parecem acreditar.

Mas é preciso ficar claro: o nome da crise é capitalismo e não esquerda; não PT - ou governo Dilma, como quer o jogral embarcado nas virtudes dos livres mercados, os mesmos que jogaram o planeta no pântano atual.

A esquerda tem sua penitência a pagar nesse banco de areia movediça. Mas uma coisa é diferente da outra.

O conservadorismo não tem agenda propositiva a oferecer, exceto regressão à matriz do desmazelo atual. 

A esquerda ainda lambe feridas, espana a rendição neoliberal que acometeu - ainda acomete - segmentos e lideranças importantes de suas fileiras, aqui e alhures. 

Mal ou bem, no entanto, ensaia um debate sobre a alternativa à desordem capitalista. 

Deve acelerar o passo porque a história apertou o seu: a restauração conservadora avança no vácuo progressista.

A preparação do V Congresso do PT, que acontecerá em 2014, é a oportunidade para que isso ocorra no Brasil de forma organizada. Com convidados de dentro e de fora do partido. De dentro e de fora do país. E cobertura maciça da mídia alternativa, a contrastar o bombardeio de veículos sempre alinhados às boas causas democráticas.

O conservadorismo aposta no imobilismo progressista. 

Seu futuro nutre-se da expectativa de erros, omissões e hesitações que a esquerda e o governo possam cometer na travessia do passo seguinte da história.

É esse o combustível da histeria udenista encampada pelas togas. 

Não é outro o motor do terrorismo econômico midiático.

A pauta deste ano ano pré-eleitoral é a tese de que vai dar tudo errado na macroeconomia do governo Dilma. 

O tambor ecoa sem parar.

O Brasil é um fracasso. Bom é o México, com presidentes saídos diretamente de uma engarrafadora de Coca-Cola, a prometer mais e mais reformas amigáveis. 

A mídia isenta ergue palanques feitos de semi-informação. 

Na desastrada década do PT, o Brasil elevou sua participação no PIB da América Latina de 26,8% , em 2001, para 46,6% em 2010. Recorde em 20 anos.

A participação mexicana no PIB regional regrediu o equivalente a 13 pontos no período.Ficou em 21,5% no ano passado. 

Governos coca-cola aniquilaram direitos trabalhistas dos mexicanos, enquanto no Brasil de Lula o valor real do salário mínimo saltou 70% na década. 

Bom é o México.O malabarismo às vezes desconcerta. 

Nesta 5ª feira, na Folha, Clóvis Rossi lamenta: justamente quando Chávez está à beira da morte, seu legado econômico e social faz da Venezuela o país menos desigual de sua história. 

O ideal seriam as exéquias conjuntas do homem e do modelo. Assim: " Para azar da Venezuela, o agravamento do estado de saúde do presidente coincide com o melhor momento da economia em todo o reinado de Chávez: a redução da pobreza, marca indiscutível do período, se acentuou no ano passado. São pobres, agora, 21,2%, queda de cinco pontos sobre os 26,5% de 2011; a inflação, um dos fracassos do chavismo, caiu de 27,6% em 2011 para 19,9%; o rendimento real dos assalariados, já descontada a obscena inflação, subiu 3,1% no ano passado; 4 milhões de empregos foram criados nos anos Chávez, reduzindo o desemprego a 6% em 2012". 

É constrangedor.

No Brasil, o governo do PT -- sua 'ingerência estatal, a gastança populista'-- recebe o mesmo carimbo de estorvo. 

Ele, não a desordem neoliberal; o PT, não o legado de um capitalismo indigente. Não o miserê estrutural que precisou do Bolsa Família para levar comida a 50 milhões de pessoas. 

Quando o governo acerta, o veredito midiático é peremptório: é só um hiato entre dois fracassos. 

Segue-se a lógica adversativa do meteorologista charlatão: o tempo está firme, mas só porque ainda não choveu. E vice-versa.

O Brasil precisa decidir se quer ser o México ou a Venezuela, diz o bordão do jornalismo de economia, que está para as redações assim como a coleira para o cachorro.

Tradicionalmente ele pauta os latidos da turma que tange o debate nacional no dispasão da eficiência plutocrática.

A mesma endogamia levou o país tres vezes ao FMI nos anos 90; quebrou a espinha da indústria com uma abertura selvagem; rifou o contrapeso estatal vendendo empresas públicas estratégicas; criou um Estado mínimo a machadada, poupando a raspa do tacho disfuncional. Colosso devidamente elogiado e festejado pelos que hoje festejam o México e abjuram a macroeconomia de Dilma. 

O governo tem muito a ganhar se as forças progressistas afrontarem os uivos dessa matilha.

Acerta a presidencia do PT, por exemplo, quando Rui Falcão identifica no monopólio midiático um torniquete a obstruir o debate emancipador do desenvolvimento.

Erram os progressistas e o governo ao não nominarem as variáveis políticas em jogo na disputa pela agenda macroeconômica. 

A cizania ideológica tem sido respondida por Brasília de forma frequentemente tecnocrática, gaguejante, quase envergonhada. 

Atrasos enervantes nos cronogramas dos grandes projetos de infraestrutura constituem o principal lubrificante da sirene ortodoxa. 

Por que o governo não encampa e aprofunda a radiografia sobre as causas da 'ineficiência estatal'? 

Nos anos 90, o Estado brasileiro foi redesenhado e calcificado institucionalmente. Um anti-Leviatã feito não funcionar. 

Dissolveu-se a iniciativa pública do desenvolvimento num cipoal de interditos, terceirizações, decepações e renúncias.

Tudo feito para contemplar o preconceito conservador desconsiderando-se as urgências sociais e as responsabilidades com a infraestrutura. 

A mídia conservadora quer manter as coisas assim, como um argumento pronto contra o comando estatal da economia.

A presidenta Dilma incorporou a chave da eficiência às prioridades do seu governo. Com razão: é obrigação progressista zelar pela cuidadosa aplicação dos fundos públicos.

Errou e erra, todavia, ao não afrontar o subtexto do Estado mínimo que de fato perpassa a gororoba ideológica construída em torno da lingérie mais reluzente do conservadorismo: o fetiche da 'gestão'.

Ao não distinguir uma coisa de outra, corre o risco de endossar a tese que pretende equacionar a desordem atual com poções adicionais do veneno que a originou.

O colapso neoliberal trouxe para o colo do governo uma crise da qual a Nação é vítima e não sócia; as forças progressistas são adversárias, não parceiras. 

Confunde a opinião pública endossar falsas convergências redentoras, a exemplo da gestão, quando o que emperra, de fato, é a luta de sabre para ordenar a fatura da crise e instaurar a nova dinâmica de crescimento.

Obama patina não porque inexistam alternativas. Mas porque o dinheiro grosso acantonado no Congresso barra a taxação substantiva das grandes fortunas. E compensa a mingua fiscal com arrocho no gasto público -exceto o complexo industrial-militar.

A Europa esfarela porque os bancos se entupiram de lucros no ciclo de alta do crédito irresponsável. 

Quebraram. Agora são alimentados pela sonda pública, exaurindo a ação contracíclica do Estado e a engrenagem lubrificada pelo crédito e o financiamento. 

Dar nome aos bois não é principismo ideológico dos 'esquerdistas' do PT. 

Está em jogo dilatar ou não a margem de manobra do Estado brasileiro para contrastar a estagnação mundial do capitalismo. 

O peso material das idéias não deve ser confundido com proselitismo. 

Quando minimiza a importancia da mídia progressista, asfixia blogs e sites negando-lhes o direito legítimo à publicidade estatal de utilidade pública --descarregada maciçamente no dispositivo conservador-- o governo dá mostras de não entender essa diferença.

Para um governo progressista é quase um suicídio.

Não por acaso, os que apostam no fracasso macroeconômico como palanque contra Dilma, em 2014, querem fazer da 'gestão' o escudo redentor do Brasil contra a crise.

Desenvolvimento é transformação; é coordenar recursos,expectativas e energias em direção a objetivos prioritários.

A crise da ordem neoliberal desmentiu a conversa mole da proficiencia dos mercados desregulados na alocação dos recursos, ao menor custo e com a máxima eficiência. 

Saldo: o mundo caminha para o sexto ano da crise mais grave do capitalismo desde 1929. O investimento privado patina no Brasil.

A superação do impasse só virá se e quando o Estado detiver maior poder de comando para enquadrar e destravar o papel indutor do crédito e do investimento capitalista.

Os bancos detém essa prerrogativa na economia de mercado. Mas sonegam fogo na hora do aperto e desviam seus canhões contra quem tenta induzi-los.

Não se vence um embate dessa natureza com o acesso à opinião pública obstruído pelo monopólio midiático. 

Essa reflexão, suas consequências práticas, continua ausente da agenda da Presidência da República a cada manhã. 

É um contra-senso.

Se o próprio governo hesita em ocupar o horizonte de longo prazo, que a mídia alardeia como temerário, por que o investimento privado se arriscaria?



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